Fluidoterapia – Conteúdo para Médicos Veterinários

Fluidoterapia na LRA e na DRC

A fluidoterapia permanece como um dos pilares do tratamento clínico da Lesão Renal Aguda e da Doença Renal Crônica em cães e gatos. O objetivo desta terapia é normalizar o equilíbrio hídrico, minimizar alterações hemodinâmicas, promover a otimização da perfusão renal, e em situações específicas, auxiliar na correção de desequilíbrios eletróliticos e ácido-base.

Contudo, exige cuidados, pois grandes volumes de fluidos administrados, ou mesmo seu uso sem a correta indicação, pode determinar sobrecarga do sistema circulatório, edema de diversos tecidos, hipertensão e evolução negativa do quadro.

Além disso, podem causar lesão ao endotélio vascular, predispondo o paciente a várias complicações. Por isso, o médico veterinário deve sempre fazer uma avaliação física minuciosa da condição de hidratação do paciente e estar atento aos sinais de hiper-hidratação.

Avaliar o débito urinário e pesar o paciente diariamente também colaboram para a identificação deste quadro. Vale ressaltar que o tratamento com fluidos deve ser personalizado e baseado em metas, dependendo tanto da condição (LRA ou DRC) quanto da gravidade do quadro, uma vez que, sendo condições diferentes, também necessitam de abordagens distintas.

Sabemos que a avaliação da hidratação é baseada em uma análise subjetiva e que pode ocorrer variações entre profissionais, para minimizar esse risco, é importante sempre seguir protocolos. Estimar o grau de desidratação através dos parâmetros de exame físico descritos abaixo faz parte deste protocolo de avaliação:

Alterações laboratoriais também podem auxiliar na investigação do estado de hidratação do paciente. O hematócrito, a concentração de proteínas plasmáticas e a albumina são algumas das análises que tendem a aumentar com a perda de fluidos, mas tais exames também podem sofrer potencial influência de outras condições, por esse motivo sempre devem ser interpretados juntamente com os parâmetros físicos apresentados pelo paciente.

Há opções variadas tanto de fluidos como de vias de administração para que essa terapia seja concretizada. Soluções cristalóides (isotônicas, hipotônicas e hipertônicas) e colóides (naturais e sintéticos) são os principais representantes dos fluidos administrados. Por outro lado, considerando as principais vias de administração utilizadas podemos citar a enteral (gastroentérica) e parenteral (subcutânea, intravenosa e intraóssea). A escolha tanto da solução quanto da via de administração que será empregada é depende de diferentes fatores, tais como: tipo do distúrbio hídrico, eletrolítico e ácido base observado, gravidade da desidratação, tempo decorrido do início do quadro, viabilidade da via e tipo de fluido de escolha.

Sendo um tratamento como qualquer outro, a fluidoterapia é pautada por cálculos que garantam a administração do volume adequado na velocidade adequada para um paciente específico, em um momento de avaliação específico. Ou seja, não há uma prescrição padrão e também não há prescrição imutável. Pelo contrário, a dinâmica do paciente exige que mudanças na prescrição da fluidoterapia sejam realizadas na mesma velocidade.

Excetuando quadros de choque hipovolêmico ou hemodinâmico grave, três cálculos são necessários para se atingir o volume e a velocidade adequados de administração de fluidos: Cálculo da fluidoterapia de reposição, fluidoterapia de manutenção e fluidoterapia para perdas contínuas.

A fluidoterapia de reposição consite na correção da desidratação do paciente. O cálculo leva em consideração a porcentagem estimada da desidratação e o peso do animal:

mL de fluidoterapia de reposição = % de desidratação x peso corporal (kg) x 10

A velocidade de administração do volume advindo deste cálculo depende da gravidade do quadro e da tolerância do paciente (comobirdades congestivas por exemplo), no entanto, preconiza-se que o equilíbrio hídrico seja reparado o mais rápido possível, o que nos quadros de LRA significa repor esse volume entre 4 a 6 horas, visando restaurar a perfusão renal e prevenir lesões isquêmicas.

A fluidoterapia de manutenção visa o fornecimento de fluido necessário para manter o gasto hídrico do organismo e perdas fisiológicas, seja por evaporação, respiração ou fecal (perdas insensíveis) seja pela produção de urina (perda sensível). Admite-se para as perdas insensíveis o volume de 22mL/kg/dia e para as perdas sensíveis o volume entre 20 a 45 mL/kg/dia.

As perdas contínuas, por fim, podem ser definidas como perdas hídricas adicionais representadas principalmente por vômito, diarreia e poliúria. Para sua correta reposição é preciso estabelecer o débito urinário do paciente, seja por pesagem do tapete higiênico ou liteiras (utilizando a equivalência de 1ml = 1 grama) e em último caso por meio de sondagem uretral, devido ao alto risco de contaminação bacteriana.
Recomenda-se que a cada 6 horas, novas avaliações de perdas contínuas sejam realizadas e modificações sejam aplicadas à esse volume da prescrição.

Correções eletrolíticas e ácido-base

 Pacientes nefropatas frequentemente apresentam desequilíbrios eletroliticos e ácido-base oriundos do comprometimento funcional renal. Baixos níveis de potássio neste contexto estão relacionados com perdas renais por alteração da função tubular renal, perdas gastrointestinais por vômito ou diarreia e deficiência dietética de potássio.

 Assim, a hipocalemia pode ser um achado frequente na doença renal crônica, principalmente pela perda da função tubular, como também pelos sinais clínicos decorrentes da doença, como o vômito e a diarreia. Na fase poliúria da LRA por sua vez, há também perda importante de potássio. A apresentação clínica inclui debilidade muscular, arritmias cardíacas, poliúria e câimbras. O tratamento da hipocalemia baseia-se na suplementação oral, subcutânea ou intravenosa de potássio.

 É importante realizar mensurações sanguíneas repetidas para avaliar a resposta do paciente. Atenção, pois se realizada de forma excessiva ou muito rápida, a reposição de potássio pode levar o paciente à morte por hipercalemia.

Já a hipercalemia tem como principais causas o comprometimento da excreção renal (potencialmente observado na LRA e quadros obstrutivos), e iatrogenias devido à fluidoterapia com potássio em excesso, uso de digitálicos ou diuréticos poupadores de potássio. Os sinais clínicos comuns são fraqueza muscular e arritmias cardíacas.

 O tratamento da hipercalemia varia de acordo com a causa, de modo que é crucial dispender atenção à correção da condição de base. É possível ainda, visar a mobilização do potássio para o interior celular durante o curso do tratamento para minimizar os riscos. 

Muitas outras alterações eletrolíticas são passíveis de ocorrerem tanto na LRA como na DRC. Elas podem ser decorrentes da própria doença em si (diminuição da excreção, ou da reabsorção), das complicações advindas do quadro (êmese e diarreia), ou então do próprio tratamento inadequado (fluidoterapia excessiva, tipo de fluido inapropriado, etc) e incluem desde hipocalcemia a hipercalcemia, hiponatremia a hipernatremia, hipercloremia a hipocloremia e hiperfosfatemia.

Por fim, acidose metabólica, em diferentes graus, é frequentemente observada nestes pacientes, e envolve tanto a perda da capacidade de excreção de íons H+ como a de reabsorção tubular de HCO3-. Há então, não só a redução do componente básico, como o acúmulo do componente ácido confluindo para a apresentação deste distúrbio. A correção hídrica, quando necessária, pode ser o suficiente para melhorar esse cenário. Em outros casos, contudo, a reposição de bicarbonato de sódio deverá ser empregada. É importante ressaltar que a hemogasometria é crucial para qualquer tomada de decisão, juntamente com sua avaliação repetida para a observação das respostas frente ao tratamento realizado.

Veja também:

CONTEÚDO PARA TUTORES

Doença Renal Crônica
(DRC)

 

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