Março Amarelo 2023 – Doença Renal Crônica – Conteúdo para Médicos Veterinários

DEFINIÇÃO E PREVALÊNCIA

 Caracterizada por alterações estruturais e/ou funcionais, de um ou ambos os rins, a doença renal crônica (DRC) assume caráter irreversível e progressivo, atingindo uma grande parcela da população de cães e gatos. Estima-se que a prevalência da DRC na clínica médica de pequenos animais esteja entre 0,5-1% para cães e de 1-3% para gatos.

Além disso, com o avançar da idade do animal a doença se torna ainda mais prevalente. Estima-se que em gatos com mais de 12 anos a prevalência da DRC chegue a 30% dos animais, já em gatos acima de 15 anos, a DRC pode atingir até cerca 80% dessa população.

​Sabendo dessas informações fica nítido a importância que a DRC assume dentro da rotina clínica dos atendimentos veterinários, de modo que reconhecê-la precocemente se torna uma tarefa fundamental.

FATORES DE RISCO

Por ser uma doença silenciosa, o ponto de partida para a investigação da DRC envolve os possíveis fatores de risco envolvidos em sua ocorrência. Infelizmente existem poucos estudos clínicos avaliando fatores de risco fenotípicos, ambientais ou de estilo de vida para o desenvolvimento da DRC, mas sabe-se, até o momento, que:

​- Algumas raças (Shar – Pei, Shih Tzu, Bull terrier, Boxer, Persa, Siamês, Maine Coon entre outras) apresentam maior predisposição;

​- A idade, como comentado anteriormente, também pode estar associada ao aumento da ocorrência da doença;

– Alguns fármacos (AINEs, aminoglicosídeos, sulfonamidas, polimixina, anfotericina B, quimioterápicos etc.) são capazes de incitar uma condição nefrotóxica e podem estar envolvidos com a perda de néfrons e consequentemente instalação do quadro;

​- Histórico de Lesão Renal Aguda pode ser o estopim para o desenvolvimento de DRC;

​- Comorbidades crônicas sabidamente capazes de causar efeitos deletérios renais: doenças cardíacas, doenças infecciosas (p.ex. Leishmaniose), endocrinopatias, entre outras.

APRESENTAÇÃO CLÍNICA

Infelizmente quando a apresentação clínica induz o profissional a suspeitar de DRC, muitas vezes a doença já se encontra em estádios avançados. Por esse motivo, investigar a saúde renal dos pacientes em visitas de rotina se faz tão necessária.

Os primeiros sinais que podem indicar que há comprometimento funcional renal crônico podem ser representados pela poliúria, polidipsia e até mesmo pelo emagrecimento progressivo. Aquele animal cujo tutor relata emagrecimento espontâneo, sem que este promova a classificação do paciente em um escore de condição corporal (ECC) ruim, merece atenção redobrada.

Isso porque, aparentemente o animal pode se encontrar em ECC ideal, mas existe o histórico de perda de peso mesmo assim. Além disso, a poliúria e a polidipsia chama a atenção para uma possível disfunção tubular quanto à concentração urinária e incremento da ingesta hídrica de modo compensatório. Há a tendência de que a polidipsia compense o aumento da perda hídrica urinária, porém em alguns casos, esta última pode ser superior à quantidade de água ingerida e o animal pode também se apresentar desidratado.

A desidratação se torna mais evidente quando associada à êmese e diarreia, neste cenário é possível que o animal se encontre em um quadro agudo no curso da DRC, ou mesmo descompensado. Nestes cenários apatia, nível de consciência reduzido, anorexia, ECC abaixo de 4, perda de massa muscular, hálito urêmico, lesões de mucosas, mucosas hipocoradas, entre outros achados podem ser observados, revelando sinais de síndrome urêmica.

DIAGNÓSTICO

Identificar a DRC antes que sinais clínicos sejam manifestados precisa ser o objetivo. Sendo assim, os exames incluídos no momento do check-up fazem toda a diferença. Os exames utilizados para o diagnóstico envolvem a urinálise, a razão proteína creatinina urinária, exames séricos de avalição da taxa de filtração glomerular e o exame ultrassonográfico. Além desses, alguns outros exames são importantes no momento da avaliação física como forma de direcionar as investigações como é o caso da avalição pressórica, já outros, são importantes para fornecer informações adicionais sobre a funcionalidade renal como exames do equilíbrio ósseo-mineral, exames do equilíbrio ácido-base e exames para avaliação da eritropoiese.

É importante frisar que, por ser uma doença crônica, é preciso observar a persistência das alterações de forma estável por um período (geralmente 3 meses).

Urinálise

A urinálise é um exame fundamental e precisa fazer parte dos exames de rotina, quando o animal se encontra aparentemente em perfeitas condições. Informações quanto à possibilidade de disfunção renal e lesão em curso podem ser obtidas através desse exame simples e de baixo custo.

Dependendo do momento de avalição e excluindo fatores extra-renais de interferência, isostenúria e proteinúria renal são achados importantíssimos, principalmente em animais desidratados.

Razão proteína creatinina urinária (RPC)

 quantificação da proteína na urina assume posição de destaque no diagnóstico tanto por identificar precocemente um quadro de lesão glomerular ou tubular, quanto por subestadiar o paciente. Ressalta-se a necessidade de estabelecer a origem renal da proteína avaliada, descartando origem pré ou pós-renal.

Exames séricos de avaliação da taxa de filtração glomerular

A avaliação da taxa de filtração glomerular pode ser feita pela dosagem sérica de ureia, creatinina e SDMA. O aumento desses biomarcadores reflete a possibilidade de redução da taxa de filtração glomerular. O SDMA tem a proposta de ser um biomarcador mais sensível, possibilitando ter seu aumento identificado em situações em que a creatinina poderia não ser. No entanto, todos devem ser feitos em conjunto e são exames que podem sofrer alterações por questões extra-renais, precisando ser interpretados adequadamente.

Exame ultrassonográfico

Sendo a doença renal crônica uma alteração irreversível e progressiva da estrutura e/ou funcionalidade renal, a ultrassonografia deve também ser parte da avaliação de rotina de animais assintomáticos e sem alterações laboratoriais.

É possível que haja apenas comprometimento estrutural (morfológico) sem que haja o comprometimento funcional concomitante, o que pode refletir a precocidade da identificação da doença em curso. Quando já há o diagnóstico provável de DRC a ultrassonografia é um exame indispensável nestes pacientes, principalmente para serem investigadas causas morfológicas que cursam com esta doença, como por exemplo, rins policísticos, neoplasias, pielonefrite etc.

De uma maneira geral a ultrassonografia visa evidenciar a cronicidade das lesões na DRC, por identificar rins pequenos, perda do limite corticomedular, córtex medular difusamente ecodenso. Pode-se observar ainda irregularidades do contorno renal, presença de cistos além de outros achados.

Outra possibilidade do exame é identificar processos patogênicos que podem incitar uma lesão renal aguda e culminar em DRC como por exemplo pielonefrite, obstrução ureteral, nefrolitíase, neoplasias renais, Dioctophyma renale etc.

A interpretação dos exames de imagem deve ser sempre realizada em conjunto com outros exames complementares, incluindo hemograma, análise bioquímica, urinálise, relação proteína creatinina urinária e a pressão arterial. Além disso, exames sem alterações ultrassonográficas também não excluem a doença, especialmente em seu estádio inicial.

Exames para avaliação de eletrólitos

Fósforo, cálcio e potássio são alguns dos principais eletrólitos que podem estar aterados no paciente com DRC e requerem avaliação. O desequilíbrio hormonal envolvendo a relação do cálcio e do fósforo possivelmente presente poderá revelar hiperfosfatemia e hipocalcemia. Poliúria pronunciada poderá impactar na redução dos níveis de potássio, principalmente em felinos.

Exames do equilíbrio ácido-base

Acidose metabólica é uma alteração amplamente encontrada em pacientes com DRC, principalmente em quadros mais avançados. Essa alteração pode ser derivada de diversas condições, sendo que cada uma delas levará à um raciocínio e tratamento específicos. As possíveis causas de acidose metabólica na DRC envolvem ocorrência de acidose hiperclorêmica, acidose hiperfosfatêmica, deficiência de regeneração ou consumo de bicarbonato e acúmulo de ácidos orgânicos.

Exames para avaliação da eritropoiese

Sendo os rins o sítio principal da produção hormonal de eritropoetina, investigar a eritropoiese se torna um ponto importante. A realização do hemograma, juntamente com a reticulocitometria quando na ocorrência de anemia podem elucidar esse cenário. Vale ressaltar que a anemia na DRC apresenta causas multifatoriais, além disso, quadros de anemia precisam ter o descarte de outras potenciais doenças de base, antes de ser atribuído exclusivamente à deficiência hormonal.

Avaliação pressórica

A pressão arterial sistêmica (PAS) deve ser obtida de todos os animais atendidos. Embora não seja suficiente para identificar a DRC, um quadro de hipertensão em várias avaliações devidamente espaçada e bem conduzida, indicará a necessidade de uma investigação mais aprofundada, colocando a DRC como suspeita diagnóstica para essa alteração.

Veja também:

CONTEÚDO PARA TUTORES

Doença Renal Crônica
(DRC)

 

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